quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O último espetáculo

     "E assim começa a história de um menino normal". (Que maneira mais curiosa de se começar um causo!) Vou contar como se deu.
     Foi exatamente assim: num dia comum, com pessoas fazendo coisas comuns, nenhuma data especial, nasce um menino absolutamente normal. Nenhum dos médicos ou enfermeiros ficou admirado com aquela cirurgia normal, corriqueira. A criança não possuía nada admirável, não tinha uma beleza extraordinária, nada que fizesse dele um fenômeno. Era um menino absolutamente normal, como todos os que nascem a toda hora.
     O menino cresceu. A partir daí, algo nele começou a chamar a atenção. Era um artista, um palhaço de circo! Por onde passava com sua trupe, levava alegria e fantasia, colecionava sorrisos e olhares totalmente vidrados em cada movimento que ele fazia. Como aquele palhaço era extraordinário! Não era um palhaço comum, normal... Era diferente. Chamava a atenção por onde passava. Ele era realmente notável.
     Mas havia algo que incomodava aquele palhaço. Em cada show que fazia, não importava em que lugar estivesse, havia um menino na platéia que nunca sorria. Ele também não sabia explicar, mas este menino estava sempre lá. Por causa da sua fama e do assédio ao final de cada espetáculo, o palhaço nunca conseguia falar com o menino. Também havia notado que ele sempre estava sozinho. Estranho também era o fato de não conseguir ver os traços do infante nitidamente. Só prevenida que ele não sorria, mas sempre que tentava fixar o olhar no menino, sua visão embaçava. Será que estava com a visão cansada?
     Toda noite, ao deitar-se para dormir, a imagem daquele menino vinha à sua mente. Como que ele, o palhaço mais famoso da região não era capaz de fazer um simples menino sorrir. Um leve esboçar de um sorriso seria suficiente. Mas não... E aquele olhar? Por que aquele vazio no olhar? E continuava pensando, buscando respostas até adormecer, enfim...
     O palhaço continou seu trabalho, afinal, sua missão era essa: ser o "embaixador da alegria" por onde fosse. E, como sempre, a casa estava cheia naquela noite. O palhaço havia anunciado um novo espetáculo, algo que nunca havia feito. (Pensava, assim, chamar a atenção do menino triste e tentar uma aproximação). E num determinado momento do show, o palhaço começou a contar uma história triste... Assim, de improviso. Que coisa inusitada um palhaço contar histórias para chorar! No mínimo viria uma piada no final! Começou a contar "a história de um menino normal, que teve uma infância normal, numa família normal"... Com todos os gracejos que a sua profissão exigia, o palhaço continuou sua história... Até que chegou ao ponto crucial: "o menino normal apaixonou-se por uma menina especial na escola. Era a menina mais bonita, a mais inteligente, todos a admiravam... O menino decidiu escrever uma cartinha para ela e como resposta, recebeu um bilhete marcando um encontro no posso da escola no dia seguinte".
     Nesse momento, a platéia estava entusiasmada, esperando o que viria pela frente. O palhaço dirigiu o olhar para a platéia em busca do menino triste. Lá estava ele, como sempre! Então, continuou: "no dia seguinte, na hora marcada, o menino normal foi ao encontro da menina especial. Qual não foi sua surpresa quando viu o pátio cheio, a menina ria dele, lendo as palavras que escrevera para ela"...
     Neste momento, o palhaçofez uma pausa. Alucinadamente, flashes começaram a surgir na sua cabeça. Aquela história tinha mesmo acontecido! Espera! Aquele menino... Era aquele menino! O mesmo menino triste que tanto o incomodava... Ele era o menino normal! A platéia aguardava ansiosa o desenrolar da história, mas o palhaço permanecia imóvel; ele estava vendo todo que acontecera naquele dia com o menino triste, que diante da vergonha, apenas sorriu como os outros, fazendo piada de si mesmo. Começou a dançar em volta da menina, reverteu a história a seu favor de tal forma que agora todos riam da menina especial! Aquele menino saiu dali, zombeteiro, pulando alegremente, mas ninguém viu seus olhos marejados, muito menos o choro amargo no caminho de volta para casa.
     A platéia começou um burburinho estranho, ninguém entendia nada... O palhaço olha para a platéia e procura o menino triste. Qual não foi sua surpresa ao ver no rosto daquele menino sua própria imagem! O palhaço levantou-se e, com voz embargada, simplesmente disse: "Aquele palhaço, caros ouvintes (seu olhar fito no menino), era esse menino que vos fala!". Viu então o menino, agora maquiado e com nariz de palhaço, levantar-se e sair. E o palhaço finalmente saiu de cena, simplesmente como um menino, aplaudido de pé por sua fiel e emocionada platéia, recebendo os últimos aplausos de sua carreira.
     Agora começa a história de um homem normal.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Vida que segue

     É... Hoje foi um dia daqueles... Um dia perfeito... Perfeito para ser esquecido! Foi bomba atrás de bomba, uma decepção maior que outra e milhares de palavras e cenas "voando" na minha cabeça, como confetes durante um furacão.
     Estou tentando assimilar tudo, mas acho que não quero mais... Assimilar pra quê? Para armazenar no meu banco de dados? Meu HD está com vírus: fica toda hora abrindo arquivos que não quero ver, que achava até que tinha apagado. É incontrolável...
     Nesse momento, é impossível não pensar em Deus. Mas é um pensar questionador, na tentativa de entender o porquê de tanta turbulência, de tanta avalanche, de tanta tempestade. Infelizmente, não tenho as respostas que gostaria no momento em que julgo ser o "certo". Tenho que esperar mesmo, não tem jeito. Mas, até chegar o momento... a vida segue...
     Só sei de uma coisa: esse mundo está "pequeno" demais para mim. Não caibo mais aqui, não me encaixo em lugar nenhum, em relacionamento nenhum, em ninguém. Amizades não são como antigamente, e me refiro a um ontem não muito distante. Se o amor de muitos esfriará, a consideração ao próximo já congelou. Mentiras e tapinhas nas costas são mais comuns a cada dia. O carnaval acabou e o povo apenas renova as máscaras, tiram os paetês e substituem por sorrisos irônicos e olhares falsos, sem muito brilho, para não chamar atenção.
     Mas essa é a vida que segue? Pode-se chamar "isso" de vida? Bom, chame como quiser, mas a vida que eu quero está longe disso... E o que me conforta é saber que está chegando o dia de vivê-la, enfim... E que venha o quanto antes...